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Semana da Arte Moderna – Professora Anita Malfatti e a liberdade criativa no Mackenzie College

A professora mackenzista Anita Malfatti, que foi aluna e lecionou no Mackenzie até a década de 1930, está entre os principais responsáveis por planejar um dos eventos artísticos mais marcantes da história do Brasil, a Semana da Arte Moderna de 1922, que completou um século de realização.

A exposição, que ocorreu entre 13 de fevereiro de 1922 até o dia 17 daquele mês, seguiu uma agenda repleta de lançamentos com rupturas paradigmáticas em relação à expressão cultural do período. O evento foi precedido por uma exposição original e própria de Anita, alguns anos antes, em 1917, quando obras igualmente importantes foram apresentadas, acendendo o pavio da expressão modernista no país.

Uma das mães da chamada “arte nova” ou “arte moderna” no Brasil, movimento que teve seu período mais marcante e radical justamente entre 1922 e 1930, a artista apresentou ao país e ao mundo, em sua mostra de “Pintura Moderna”, ocorrida entre 12 de dezembro e 11 de janeiro de 1918, o que hoje é considerado por historiadores como o estopim do Modernismo no Brasil.

Entre as principais obras estavam “A Estudante Russa”, “A Mulher de Cabelos Verdes”, “A Ventania”, “O Barco”, “O Farol de Monhegan” e “O Japonês”, todas datadas de 1915 e pintadas com a técnica de óleo sobre a tela, que utiliza pincéis, espátulas e outros instrumentos para preencher superfícies de tecido ou madeira com tinta a óleo. Os traços de Anita carregam detalhes das influências cubistas, futuristas, dadaístas, surrealistas e, claro, expressionistas, que caracterizam, juntos, alguns dos trabalhos mais exuberantes do modernismo.

Os quadros não mantêm compromisso com representações extremamente realistas, como é de se esperar. Anita se preocupou com fatores mais humanos, naturalistas, da realidade, incluindo contornos com mais movimento e mais espessos. Outra novidade foi o fato de a artista deixar de lado, ou pelo menos reduzir, a influência do tradicional claro-escuro e abusar mais da luz em cada um dos registros produzidos. Também está presente, sem nenhuma timidez, a lealdade nacionalista de Malfatti, muito bem retratada na obra “Tropical” (1917), que também estava na exposição.

Fauvismo

A genialidade da pintora e desenhista não cabia, no entanto, em apenas um estilo. Ainda na década de 1920, enquanto convivia com todo o impacto político e social da Semana da Arte Moderna, Anita se apaixonou por outra ideia: o fauvismo. Colocou, então, em seus quadros, toda a intensidade do período e das próprias ideias em cores mais fortes, tons mais quentes, indo ao encontro da temática mais regionalista, antes de enfim atingir a “melhor idade” artística. Passou a imprimir espontaneidade, sagacidade, fluidez e a famosa independência que virou assinatura original da estética responsável por carregar a essência da artista, explorada em seus trabalhos sobre a cultura popular.

“Anita definitivamente foi e continua sendo um dos principais tesouros brasileiros, que se mantém enriquecendo o país com reflexões importantes nos mais expressivos trabalhos artísticos que o mundo conheceu. Visitar as obras de Anita Malfatti é mergulhar na história, nas representações culturais e populares mais marcantes do país, de forma crítica e analítica. São obras com mais de 100 anos e que continuam contribuindo para o desenvolvimento do país, devido ao impacto social e político que provocam até hoje. Ela foi uma das brasileiras que se dedicaram a um Brasil moderno, independente e com capacidade de olhar para si e fazer as avaliações necessárias”, diz o coordenador do Centro Histórico e Cultural Mackenzie, Prof. Dr. Eduardo Abrunhosa.

Anita, a professora

À frente das oficinas de arte da Escola Americana e do Mackenzie College e da disciplina de educação artística da Escola-Normal Superior, Anita também foi disruptiva, levando o Modernismo e outros conceitos artísticos relevantes para a sala de aula do Mackenzie. A professora tinha apreço pela libertação criativa e preferência pela provocação da originalidade, mais do que pela transferência de métodos e técnicas muito específicas. “Deixo plena liberdade de expressão ao aluno, evitando-lhe impor meu gosto e maneira de pintar. A técnica vem naturalmente da repetição de certas formas preferidas”, comentou ao jornal Diário de São Paulo, em 1933.

Anita Malfatti se dizia contra o processo pedagógico que prioriza o aprendizado da técnica. Amante da automaticidade, a docente preferia ensiná-la apenas como uma base para que os estudantes alcançassem espaços originais em suas produções. Ou seja, aprender o básico para ter independênciam, viajar a outras ideias e explorar a imaginação. Essa autonomia – ou desobrigação – é um fundamento importante do Modernismo, até mesmo no ensino desse conceito artístico. O instrutor, ou professor, é muito mais alguém que observa e percebe, do que um agente que se envolve e interfere no processo.

“E isso era algo que também dialogava com a ideia de educação do Mackenzie, que até hoje explora esse universo da criatividade e oferece aos estudantes o protagonismo acadêmico. Os valores mackenzistas perduram há mais de 150 anos e têm pilares importantes para o amadurecimento cívico, compreensão de cidadania plena e construção dos múltiplos saberes. Anita Malfatti trazia essa essência de superação e criatividade para a sala de aula”, acrescentou o professor e historiador Eduardo Abrunhosa.

Anita concluiu sua missão com a docência em 1952, quando já tinha alcançado os 62 anos de vida e mais de três décadas ensinando pintura, se consideradas as aulas dadas por ela antes do Mackenzie College. Durante todo o período em que lecionou, também foi professora na Associação Cívica Feminina. É sempre importante sublinhar a passagem da artista pelo universo educacional, porque, assim como a sua preponderância enquanto personagem da Semana da Arte Moderna, sua figura também tem uma passagem influente pela escola, com muitas contribuições valiosas e um legado que também dialoga com a vontade de ensinar e ajudar os alunos a desenharem trajetórias de vida identificadas com a liberdade.

Sobre o Centro Histórico e Cultural Mackenzie

O Centro Histórico e Cultural Mackenzie (CHCM) ocupa o Edifício Mackenzie, prédio 1 do campus Higienópolis. Foi construído entre os anos de 1894/1896 para abrigar a primeira Escola de Engenharia privada do país, espelhada no modelo de ensino norte-americano. Desde a década de 1990 o imóvel é tombado Patrimônio Histórico e Cultural de São Paulo, pelo órgão de preservação estadual CONDEPHAAT e municipal CONPRESP. Entre os anos de 2001 e 2004 foi restaurado e adaptado ao seu novo uso.

Além de promover a preservação da memória da instituição – por meio da conservação do seu acervo e do edifício com princípios técnicos-científicos atuais da museografia, museologia e da conservação preventiva – o CHCM é também um espaço cultural vivo, com uma agenda diversa e constante, como eventos musicais, exposições, programas audiovisuais e passeios guiados.

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